Situado em zona de minifúndio, o concelho de Arganil tem no seu território uma agricultura de subsistência onde predominam as técnicas ancestrais do cultivo das terras, embora os novos métodos tecnológicos sejam também uma realidade. Na verdade eles coexistem como é natural no século XXI.
Contudo é ainda comum assistirmos à apanha da azeitona, ao esmagar das uvas, às descamisadas como se fazia há muitos anos.
Também a pastorícia é ainda uma realidade no Concelho de Arganil.
“A produção do milho envolvia toda a família dum lar, ao longo de todo o ano, numa lide constante. O trabalho era então uma cadeia: – primeiro havia a necessidade de arranjar estrume, a que o povo chamava «esterco», pois este era fundamental a par da água para o seu desenvolvimento. (…)
Em Março, no princípio da Primavera, começavam as sementeiras. Em primeiro lugar o esterco era espalhado nas leiras, começando de seguida a cava das terras que era feita à força da enxada e do braço do homem; atrás dos homens, as mulheres deitavam o milho à terra e com pequenos sachos, chamados sacholas, atopiam o milho, ou seja, envolviam ligeiramente o milho com a terra. (…)”
“Terminada a sementeira em fins de Maio, começava a sacha do milho “temporão”. Na meada do mês de Junho, começava a enleira que era a primeira rega, a mesma consistia primeiramente em alisar a terra e espalhar o esterco grosso no meio das caneiras do milho, para de seguida se fazer a eleira, calcando o esterco e a terra de modo que a água corresse por toda ela. (…)
Depois da enleira, começava o ciclo das regas que eram feitas pelo Verão fora até ao mês de Setembro. (…)”
“Em Setembro começava a recolhença do milho, tal como a sementeira a recolhença era também feita em comunidade, ajudando-se uns aos outros, como forma de pagamento em virtude de não terem dinheiro para se remunerarem. Sentados nas leiras em volta do monte de maçarocas, começava a descamisada ou desfolhada que era feita ao desafio para ver quem encontrava primeiro a espiga de “milho rei”, o que raramente acontecia. Mas, caso aparecesse era uma alegria, quem o encontrasse tinha de dar um “chi” a todo o grupo. Um “chi” era um simples abraço, porque um beijo não se podia dar (…)
Depois da descamisada vinham as debulhas, estas eram feitas à noite, depois da ceia, nas palheiras junto aos estendais do Outeiro, onde se juntava o mesmo grupo da descamisada que por vezes era reforçado. Os homens malhavam o milho com pequenas estacas de madeira, embora noutras localidades houvesse quem o fizesse nas eiras com manguais. Os malhadores sentavam-se em cima da tulha do milho, ou ao lado e colocavam as espigas entre as pernas, batendo a estaca com força, fazendo saltar os grãos do casulo.
Em volta da tulha sentavam-se os passadores, regra geral, eram as mulheres, as crianças e os idosos, os quais passavam todos os casulos um por um, roçando-os uns nos outros tirando algum grão que tivesse escapado à estaca.
As debulhas, eram um trabalho leve mas muito moroso e saturador, porque era feito ao serão, nas horas de descanso nocturno e, quando eram grandes debulhas muitas pessoas adormeciam, o que originava uma paródia, atirando casulos aos que dormiam. (…)”
“Na manhã seguinte ao dar do Sol, os donos do milho levavam-no para a eira ou estendal, onde era espalhado em mantas de fitas sobre palha de centeio, evitando-se assim o contacto directo com a terra e haver uma secagem mais rápida. A secagem do milho demorava três a quatro dias, e depois era guardado em grandes arcas de madeira, de onde era levado para o moinho dentro de um “sarrão”, onde era moído e transformado em farinha para seguidamente ser cozida a broa que era o pão nosso de cada dia, pois em casa onde não houvesse broa, já não havia alegria.”
“Da farinha saída dos moinhos, a de milho era a produzida em maior quantidade e um dos principais sustentos das populações serranas, que com ela faziam o pão e a broa, para acompanhar o conduto. Também se usava a de trigo e a de centeio.
No entanto, a população mais carenciada alimentava-se do pão amassado unicamente com farinha de milho, ou um pouco de mistura, que resultava num pão mais pesado e que proporcionava a ilusão de maior saciedade.”
Victor Cardoso in Arganilia nº 27
“Os excedentes do milho, eram aproveitados: os folhos ou folhelhos, que são a parte envolvente da espiga, eram utilizados para encher as fronhas e os colchões onde se dormia; os casulos ardiam na lareira; o carpelo e as folhas serviam de comida para o gado no Inverno. (…)”
PEREIRA, José Fontinha – Piódão: aldeia histórica, presépio da Beira Serra
A tradição da debulha manual está em vias de se perder, por um lado porque o trabalho no campo desde finais do século XX tem vindo a decrescer e por outro, por terem aparecido as debulhadoras manuais e mais tarde as debulhadoras mecânicas.
Vários grupos folclóricos do concelho, entre os quais o Grupo Folclórico da Região de Arganil, o Rancho Infantil e Juvenil de Coja, o Rancho das Rosas de Coja e o Rancho Folclórico da Ribeira de Celavisa, incluem no seu reportório modas ou recriações dedicadas às desfolhadas, contribuindo assim para a preservação e transmissão às gerações vindouras de uma tradição, que integra o património imaterial, não só do país, mas também da nossa região.
“Em Coja, as recriações das descamisadas ou desfolhadas do milho e a festa da papa laberça iniciadas pelo Rancho Infantil e Juvenil de Coja, presidido à época pelo diligente Alberto Tavares, terão sido o embrião que consciencializou os habitantes para a necessidade de preservação do passado.”
Nuno Mata in Arganilia nº 27
Também o Núcleo Museológico de Etnografia de Arganil, inaugurado em setembro de 2020, após obras de remodelação e beneficiação, garante a salvaguarda e a valorização do legado patrimonial, histórico e cultural do nosso concelho, levando os visitantes numa “viagem” pelos ofícios e tradições do século XX.
Malhada
Bem altas e galeadas
Pelo grito das malhadas
Ao bater do mangual
Tosquenejava a candeia
Em noites de lua cheia
A cumprir o ritual
No depilar das espigas
Cantavam as raparigas
Animando os malhadores
Na força da batidela
Bem molhavam a goela
Afastando os calores
REFRÃO
Ora bate bate
O mangual a bater
À voz do rebate
A pinga a correr
Pela madrugada
A gaita tocou
Em noite bailada
O povo dançou
Ao grito do mandador
Por ser um bom malhador
Todos malhavam a jeira
Bem certo todos batiam
As namoradas se riam
Com seu sorriso na eira
A malha vai terminar
Está outra p’ra entrar
Diz o patrão da eirada
Agora podem dançar
Nesta noite de luar
Está a malha acabada
José Augusto Alves Moreira
in Canto ao Sarzedo



































