DA NATUREZA DOS DEUSES de António Lobo Antunes

DA NATUREZA DOS DEUSES de António Lobo Antunes

Baseado no título homónimo de uma obra de Cícero, De Natura Deorum (45 a.C.), o novo romance de António Lobo Antunes (o 26º desde 1979), é um livro simultaneamente mágico e perturbador. Através dele cruzamo-nos com o secreto, o misterioso, o indecidível, mas também somos conduzidos aos meandros do mundo tenebroso do poder. Ora é na língua que o poder se inscreve, mas é também através dela – enquanto lugar onde a servidão e o poder se interpenetram – que o escritor pode encontrar um modo de liberdade. Efetivamente, a literatura é a capacidade que o escritor tem de “conhecer a língua no exterior do poder”, de exercer sobre a língua um “trabalho de deslocação”, diz Roland Barthes na sua Lição (Ed. 70, 2007, p. 16). É desta capacidade de “trapacear a língua”, e não do comprometimento político nem do conteúdo doutrinal, que depende a liberdade da criação. E António Lobo Antunes (ALA) é, acima de tudo, um escritor de sensibilidades comprometido com a natureza mágica da palavra.

Eis-nos no cerne de Da Natureza Dos Deuses, livro denso (580 páginas, quatro partes, 37 capítulos), em que a densidade do poder se assemelha à densidade dos deuses, que impõem a (sua) estabilidade como suposta condição para a estabilidade social. A sustentação dos novos deuses passará, precisamente, por apagar, alterar ou roubar o passado. Lembre-se que George Orwell (in 1984, Antígona, 2012, p. 213) falava na “alteração do passado”, que entendia ser “possível” por um “sistema de pensamento” designado “pela palavra duplo pensar.” Esta consiste na crença e aceitação simultânea de duas ideias, ainda que contraditórias. De facto, as personagens deste novo romance de ALA, mas também, por exemplo, as de Fado Alexandrino ou de As Naus, sentem que algo de muito precioso e irresgatável lhes foi roubado: o tempo. A sensação de perda é, pois, irresgatável e, na sua obra, nunca é colmatada por qualquer ganho, seja ele de que espécie for. Lobo Antunes vem, assim, abrindo novos paradigmas, que, em suma, se consubstanciam na ideia de que os portugueses têm sido amputados de um passado, o que coloca em causa a passagem da ditadura para a democracia e, em último plano, a possibilidade de um futuro. Na verdade, neste ND, sucessor de Caminho Como Uma Casa Em Chamas (2014), são dois os donos de Portugal, e são eles que tudo decidem pelos portugueses, que são “os palhaços” desses senhores, com especial destaque para “o senhor doutor”, herdeiro do poder da Banca: “[…] ele o dono dos bancos, das companhias, das empresas, das fábricas, ele o dono de tudo e eu um palhaço entre tantos palhaços, dúzias de palhaços à sua volta nos jantares, no escritório, na casa, […]” ( p. 217)

In,
http://visao.sapo.pt/jornaldeletras/letras/antonio-lobo-antunes-da-natureza-do-escritor=f832173

http://catalogorbca.cm-arganil.pt/Pacwebv3/SearchResultDetail.aspx?mfn=67207&DDB=BD1#.Vs3UYX2LQdU
Livro disponível na Rede de Bibliotecas do Concelho de Arganil